PLURI-EMPREGO: REDENÇÃO OU MALDIÇÃO?

Atualmente, está instalada uma verdadeira polêmica no âmbito da Policial Civil de Pernambuco, no sentido de questionar se o valor da jornada extraordinária paga pelo governo é satisfatório em relação aos riscos do serviço desempenhado pelos policiais civis (R$ 387,00 aos escrivães e agentes, além de R$ 660,00 aos delegados). 

A atividade do policial civil em jornada extraordinária é bastante desgastante, tanto física quanto emocionalmente. Em razão de receber todos os tipos de ocorrências, o público usuário de serviço de plantão é bem diversificado, incluindo desde vítimas de crimes violentos até mesmo o registro de fatos de somenos importância e alheios ao trabalho policial, como extravio de documentos pessoais.

Aparecem também indivíduos que sofrem de problemas psíquicos ou em estado de completa embriaguez, bem como aqueles que desejam apenas conversar, relatando seus inconvenientes emocionais aos policiais plantonistas como se conselheiros sentimentais fossem.   

Pior ainda, quando há sobrecarga com intermináveis horas de trabalho nas operações policiais de inteligência, onde não há qualquer pagamento pelas horas extras trabalhadas. Somos convocados para tais operações sem ordem por escrita, apenas através de convocação verbal. Na maioria das vezes, as reuniões operacionais ocorrem por volta da meia-noite e o desencadeamento da operação só se dá ao amanhecer, estendendo-se o horário de trabalho até o término da operação, ou seja, até quando Deus quiser!   

Aspectos jurídico-legais

É comum observarmos que a maioria de nossos colegas Policiais, após completarem sua jornada de trabalho, ao invés de retornarem para seus lares, recuperando as energias e o equilíbrio emocional em um exaustivo dia de trabalho, dirigirem-se para uma segunda atividade de alto risco, normalmente em delegacias de plantão de pluri-emprego ou forças-tarefa, em busca de mais dignidade para sua família no intuito complementar os nossos baixíssimos salários.

Antes de aprofundarmos a matéria, convém explicarmos sucintamente a diferença entre horas extras e adicional noturno. Compreende-se por hora extra o trabalho desempenhado fora do horário normal de expediente e, por adicional noturno, atividade desempenhada entre as 22 horas e as 05 horas, aplicando-se tal regra inclusive aos plantonistas.

Conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o adicional noturno é regulamentado pelo artigo 73, cuja remuneração terá um acréscimo de 20% (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna. 

A hora do trabalho noturno será computada como de 52 (cinqüenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos. Considera-se noturno, o trabalho executado entre as 22 (vinte e duas) horas de um dia e as 5 (cinco) horas do dia seguinte.

Já à hora extra é definida como o horário suplementar trabalhado ao da jornada fixada pela lei (no nosso caso, limitada à 40 horas semanais), podendo ocorrer antes do início das 08 horas, no intervalo do repouso e da alimentação (caso não haja o efetivo descanso), após o período das 18 horas, bem como nos sábados, domingos e feriados. Não se faz necessário o exercício do trabalho, mas basta estar à disposição da Administração Pública ou de prontidão para a configuração da hora extra.

A Constituição Federal de 1988 consagrou as horas extras quando dispôs no inciso XVI art.7º remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal”. Dessa forma permitiu que o trabalhador pudesse executar as horas extras mediante o pagamento de, no mínimo, 50% a mais do valor da hora normal nos dias úteis, sendo estendido tal direito aos servidores públicos civis pelo artigo 39, § 3º, da Constituição Federal de 1988. É comum os acordos ou convenções coletivas que tratam das horas extras definirem percentuais superiores à Constituição Federal, por exemplo, 60% , 80%, entre outras vantagens.

Daí a necessidade de se caracterizar legalmente cada uma das situações, em razão das circunstâncias que permeiam a atividade de polícia judiciária e de apurações das infrações penais de atribuição da Policia Judiciária, nos termos das Constituições Federal e Estadual.

Haveremos, pois, de elencar os vários tipos de jornada extraordinária que nos são impingidas pela Administração Pública, a saber: a) jornada de 24h da Força Tarefa do DHPP e CVLI de Caruaru, b) Força Tarefa de Alcoolemia, c) jornada de 14h das delegacias de plantão (p.ex., Peixinhos, Ipsep etc); d) plantões das seccionais de interior, que começam de 18h da sexta e terminam na segunda, e) operações de inteligência comandadas pelo DGOPJ, f) rondas noturnas do CORE e de outros departamentos e delegacias, g) escalas de carnaval e de outras comemorações municipais, h) quaisquer outras convocações que excedam o limite legal de 40 horas semanais (sem que haja compensação de horário) ou que compreenda o período noturno de descanso das 22 horas às 05 horas.

Em conformidade com o que prescreve o art. 39, §3º da CF/88, bem como artigo 86, parágrafo único, e artigo 164 da Lei 6.123/68 c/c artigo 2º, parágrafo único da Lei 6.425/72, os servidores da Polícia Civil de Pernambuco fazem jus ao pagamento de horas extras e adicional noturno, referentes à jornada extraordinária efetivamente trabalhada. Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou favoravelmente ao pleito de Policiais Civis de outros entes da Federação. Senão vejamos:

Dados Gerais
Processo: RE 606516 SE
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 22/02/2011
Publicação: DJe-039 DIVULG 25/02/2011 PUBLIC 28/02/2011
Parte(s):
Estado De Sergipe
Procurador-Geral Do Estado De Sergipe
Alex Monteiro Barreto E Outro(A/S)
Ademir Meira Dos Santos E Outro(A/S)
Decisão
Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que garantiu aos policiais civis do Estado de Sergipe com jornada de trabalho superior a 30 horas semanais o recebimento de horas extraordinárias e adicional noturno, vedada a compensação desses valores com a gratificação especial de atividade. Neste RE, fundado no art. 102, III, "a", da Constituição, alegou-se ofensa aos arts. , XIII e XVI, 37, XIV, e 39, § 3º, da mesma Carta. A pretensão recursal não merece acolhida. O acórdão decidiu a questão com base em legislação infraconstitucional aplicável aos policiais civis do Estado de Sergipe (Leis estaduais 2.148/77, 2.068/76, 3.868/77 e Decreto 21.892/03), o que configuraria, quando muito, situação de ofensa meramente reflexa à Constituição, inviabilizando o conhecimento do recurso extraordinário. Nesse sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RE 529.185-AgR/SE, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 607.714-AgR/SE, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 529.464-AgR/SE, de minha relatoria.Isso posto, nego seguimento ao recurso (CPC, art. 557, caput).Publique-se Brasília, 22 de fevereiro de 2011.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI.

Hodiernamente, o pagamento de nossa jornada extra é regulamentado incorretamente através de decreto do governador, o famoso PJES (Programa Jornada Extra de Segurança), com pagamento ilegal por meio de diárias (por sinal, diárias estas de baixíssimo valor), sem observância dos parâmetros remuneratórios estipulados pelo Constituição Federal e pelo Estatuto dos Servidores Civis de Pernambuco.

É preciso lembrar aos colegas policiais que o PJES é serviço voluntário, não podendo qualquer autoridade hierarquicamente superior obrigar o Policial Civil a trabalhar além de seu horário de expediente, limitado à 40 horas semanais (conforme Portaria do Chefe de Polícia, o horário nos dias úteis compreende das 08 horas às 12 horas e das 14 horas às 18 horas, salvo o regime de plantão). 
Infelizmente, melhor sorte não assiste à nossa co-irmã Polícia Militar, carecendo pois os milicianos de legislação que regulamente a matéria, que apenas pode ser implementada pela via legislativa ou através de mandado de injunção em seu caso específico, contentando-se com o pagamento via decreto do governador.
Implicações na saúde do policial
A grande maioria da população desconhece os impactos que a profissão policial traz para a vida a saúde e as relações interpessoais dos policiais civis. A verdade é que não somos super-heróis, mas tão mortais quanto qualquer um, com nossos limites e fraquezas, medos e incertezas.
A organização temporal do trabalho em turnos e noturno traz inegáveis prejuízos para a saúde do Policial Civil, tanto no aspecto físico quanto no psíquico, emocional e social, ocorrendo marcas indeléveis na saúde do trabalhador.
O trabalho em turnos e noturnos pode ser causa de uma série de distúrbios fisiológicos e psicossociais devido às mudanças dos ritmos biológicos, dessincronização familiar e social da vida do policial civil, levando, a um quadro designado como Síndrome de Maladaptação do trabalho em turnos.
Segundo estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já no primeiro mês de trabalho em turnos noturnos, o policial pode apresentar algumas manifestações agudas, tais como a insônia, excessiva sonolência durante o trabalho, distúrbios do humor, aumento de acidentes e problemas familiares, sociais e emocionais.
Após alguns anos nesta forma de trabalho, o Policial Civil passa a apresentar algumas manifestações crônicas, como desordens do sono, doenças cardiovasculares e gastrointestinais, absenteísmo, separação e divórcios.
Esta inadaptação do policial civil aos turnos e noturnos, pode também levá-lo ao uso abusivo de substâncias para dormir e uso de álcool, sem contar a presença de uma fadiga crônica e manifestações contínuas de estresse ou depressão.
O trabalho do policial tem sido associado com uma variedade de relatos sobre problemas físicos e mentais, levando à morte prematura por várias causas (Quaile, Hill & Clawson, 1988). Esses mesmos autores verificaram também um aumento de risco de doenças cardíacas relacionadas aos anos de serviço e aumento de todas as causas de mortalidade para policiais com mais de 40 anos de idade, justificando-se, assim, a importância do investimento em pesquisas voltadas para a saúde ocupacional dessa classe de trabalhadores.
Este quadro, de uma forma geral, pode levar em conta também a segurança e vigília do policial, causando posteriormente, acidentes de trabalho que podem levá-lo a sérios riscos de vida ou mesmo a morte.
Dependendo da capacidade de absorção dos problemas conseqüentes da excessiva pressão profissional, do tipo de alimentação, dos estados de saúde pessoal e familiar, das dificuldades com moradia e escola para os filhos, da formação moral, familiar e social, bem como a conseqüente falta de prática de atividades físicas saudáveis, todo este conjunto, em maior ou menor intensidade, podem causar a denominada síndrome de Burnout (ou síndrome do desgaste profissional).

Freqüentemente as escalas de serviço e os serviços extras do Policial não lhe permitem o repouso adequado e a repetitividade das ocorrências deixa-o em constante estado de alerta, gerando doenças como stress e depressão, pois o cérebro reage liberando imediatamente o ACTH, que aciona as supra-renais.

A insatisfação gera nos policiais que estão no plantão o que a psicopatologia e a psicodinâmica do trabalho chamam de sofrimento no trabalho. Contra esse sofrimento no trabalho, os policiais desenvolvem o que Dejours chama de “estratégias coletivas de defesa”. No caso dos policiais, essas estratégias se transformam em reações como, por exemplo, tratar com desprezo o usuário ou se relacionando com rispidez e ironia em relação aos amigos e a própria família. 

Conclusões

A bem da verdade, a jornada extraordinária (entendida como plantão, pluri-emprego e demais tarefas realizadas além do horário de expediente) é um dos setores estratégicos mais importantes da Polícia Civil, tendo em vista que se encontra umbilicalmente ligado à imagem da instituição. Devido à urgência das situações, um atendimento inadequado nesse momento crítico para o cidadão certamente deixará uma impressão duradoura na pessoa que foi mal atendida.

Por fim, importante salientar que a implantação de remuneração adequada da jornada extra viabilizaria, até mesmo, um melhor controle da jornada de trabalho do Policial Civil, permitindo que o servidor policial que esteja executando suas funções em regime extraordinário faça jus à respectiva contraprestação pecuniária por parte do Estado, a fim de melhor atender o cidadão.
E nem se venha argumentar o governo pernambucano o vetusto e falacioso dilema de que a implementação da medida poderia causar prejuízo aos cofres públicos, tendo em conta que o Estatuto dos Servidores de Pernambuco e a Constituição Federal de 1988 conferiu o direito ao adicional noturno e às horas extras tão-somente aos servidores civis, ou seja, a Polícia Civil possui um quadro de funcionário bastante exíguo, não acarretando grande impacto financeiro nas contas do Estado.
Nós estamos disponibilizando os formulários no final da matéria para que sejam dado entrada junto ao GRH.

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Diego de Almeida Soares
Presidente


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